• Escolha do Presidente projecta o país no panorama internacional


    A escolha do Presidente João Lourenço para integrar o Comité Ad-Hoc sobre a República do Sudão representa o reconhecimento da União Africana do papel que o país tem em matéria de Mediação, Gestão e Resolução de Conflitos no continente, consideraram, ontem, em Luanda, três especialistas em Relações Internacionais ouvidos pelo Jornal de Angola. Trata-se de Pacheco Talocha, mestre em Ciência Política e Administração Pública, Osvaldo Mboco, mestre em Políticas Públicas, e Cezário Zalata, todos docentes de Relações Internacionais, que analisaram os cerca de 14 meses de guerra no Sudão, as iniciativas de paz, a questão humanitária e a diligência da União Africana para forjar uma solução africana ao conflito que começou a 15 de Abril de 2023, na sequência dos desentendimentos entre o comandante do Exército e Presidente de facto do Sudão, Abdel Fattah Al Buran, e o chefe das chamadas "Forças de Apoio Rápido”, Mohammed Daglo "Hemedti”, que continua sem uma solução à vista. Em função da 1218ª Reunião do Conselho de Paz e Segurança da União Africana, a nível de Chefes de Estado e de Governo, ocorrida a 21 de Junho deste ano, foi criado, um mês depois, um Comité Ad-Hoc sobre a República do Sudão, cuja missão é procurar uma solução colectiva e sustentável para pôr fim ao conflito naquele país. Neste contexto, a União Africana designou cinco Chefes de Estado para integrar o referido comité, destacando-se o Chefe de Estado angolano, João Lourenço, em representação da África Austral. Presidido pelo Presidente ugandês, Yoweri Museveni, que representa a África Oriental, integra também os Presidentes Abdel Fattah Al Sisi, do Egipto, que representa a África do Norte, Teodoro Nguema Obiang, Chefe de Estado da Guiné Equatorial, em representação da África Central, e Ahmed Bola Tinubu, Presidente da Nigéria, em representação da África Ocidental. Quando questionado sobre o que representa para Angola o facto de o Presidente João Lourenço ter sido escolhido para o Comité Ad-Hoc sobre a República do Sudão, Pacheco Talocha sustentou que "a história recente de Angola fala por si, porque os angolanos mostraram à África e ao mundo habilidades próprias para o alcance da paz e reconciliação, depois de uma longa guerra fratricida. Esta experiência, sem dúvida, funciona como um grande e importante activo de Angola, e aqui se explica o facto de o Presidente João Lourenço ter sido designado Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação em África e de lhe ter sido atribuído, pela União Africana, o papel de mediador para os esforços de reaproximação entre as lideranças da República Democrática do Congo e da República do Rwanda”. O académico lembrou o "papel decisivo desempenhado pelo Presidente João Lourenço no difícil processo de reconciliação entre o Rwanda e o Uganda, tendo o entendimento entre as partes sido simbolizado com a reabertura, no dia 31 de Janeiro de 2022, do posto fronteiriço de Gatuna/Katuna, depois de uma série de cimeiras quadripartidas realizadas em Luanda”. Quanto à ideia de "soluções africanas para os problemas africanos” para o Sudão, o docente afirmou que "na Cimeira de Luanda foi enfatizada a necessidade de liderança africana e coordenação de esforços com as autoridades sudanesas. Portanto, penso que toda a participação que vise o calar das armas para terminar com o sofrimento do povo sudanês, vinda de outras partes do mundo, é válida, mas uma intervenção africana tem muito mais valor, porque ela comporta factores intrínsecos próprios e profundamente culturais, suficientemente necessários para a construção da confiança”. Relativamente ao que impede o general Abdel Fattah Al Buran, o comandante do Exército e "Presidente de facto” do Sudão e o comandante das chamadas Forças de Apoio Rápido, Mohammed Hamdan "Hemedti”, de se sentarem à mesa de negociações, Pacheco Talocha é de opnião que "os dados que existem fazem concluir que estamos perante uma luta pelo poder entre dois generais anteriormente aliados e que haviam unido forças e esforços para derrubar, no dia 11 de Abril de 2019, o regime do Presidente Omar al-Bashir, e que numa situação a posterior se desentenderam em relação ao período em que as Forças de Apoio Rápido, comandadas pelo general Mohamed Hamdan Daglo, deveriam integrar as Forças Armadas do país”. Quanto ao que se espera do Comité Ad-Hoc sobre o Sudão, Pacheco Talocha entende que a combinação de valências dos Chefes de Estado que compõem o Comité Ad-Hoc, liderado pelo Presidente Yoweri Museveni, do Uganda, vai contribuir para a efectivação da máxima "Solução Africana para problemas Africanos”, tendo acrescentado que "a passagem do ministro das Relações Exteriores, Téte António, por Kampala, no dia 22 de Julho de 2024, é um sinal claro de que o Presidente João Lourenço já arregaçou as mangas para esta nova empreitada”. Sobre os entes que jogariam um papel relevante neste processo, Pacheco Talocha defende que "todos os entes são bem-vindos, desde que o fim único da sua intervenção seja a promoção da paz. No caso do Sudão, tanto a ONU, como a Liga Árabe e a União Europeia estão engajadas no processo de busca da paz, mas, com a entrada em acção deste Comité Ad-Hoc, penso que, provavelmente, o ideal seria o estabelecimento de um mecanismo funcional de busca de paz coordenado pelo Comité Ad-Hoc que congregasse todas as partes envolvidas na promoção da paz e reconciliação, evitando-se a dispersão de esforços, de atenção e de dedicação”. "O envolvimento de vários líderes pode ajudar a resolver a actual situação de crise” Osvaldo Mboco, mestre em Políticas Públicas e docente de Relações Internacionais, afirmou que a escolha do Presidente João Lourenço pode fortalecer a posição de Angola no cenário internacional e regional, como um dos actores determinantes na promoção da paz e estabilidade em África e essa posição depende em grande medida do aperfeiçoamento dos factores estratégicos de poder e do papel que pode desempenhar no continente, nos vários domínios, na busca de soluções dos problemas do continente, ou seja, a posição de Angola em África definirá a sua posição no Sistema Internacional”. O também analista de Política Internacional explicou que, independentemente desta escolha se apresentar como uma oportunidade para acção da diplomacia angolana em lidar com dossiers complexos, é importante que Angola não se envolva em vários processos de mediação, porque pode sobrecarregar a acção da diplomacia angolana, mas sim, deveria confinar os esforços da mediação em conflitos que vem acompanhar, estudar e mediar, como o conflito no leste da RDC. Sobre a criação deste painel de cinco Chefes de Estado, 14 meses depois do conflito, o docente disse que "a organização não apenas falha em implementar medidas eficazes para mitigar os conflitos, como também reage de forma letárgica e ineficiente aos acontecimentos. A criação tardia de um painel para o Sudão, por exemplo, evidencia a falta de proactividade da UA em abordar crises emergentes. A contínua instabilidade em diversas regiões do continente demonstra que a retórica da solidariedade africana e da autossuficiência não se traduz em resultados práticos. É preciso que a UA saia da inércia e adopte medidas mais enérgicas e eficazes para cumprir os objectivos pelos quais foi criada, desde a paz, estabilidade e segurança, bem como o crescimento e desenvolvimento económico”. Osvaldo Mboco esclareceu ainda que "embora a criação do painel seja tardia, dado que o conflito no Sudão decorre há 15 meses, é importante considerar que qualquer esforço direccionado para resolver o conflito é importante. O envolvimento de líderes africanos pode influenciar numa saída negocial entre os contendores e permitir o silenciar das armas. Este painel traduz-se na solidariedade africana entre os povos que é simplesmente uma retórica política sem grandes exemplos tangíveis”. O docente de Relações Internacionais defendeu que "é importante que os africanos procurem soluções africanas para os problemas africanos. Não pode ser simplesmente uma retórica política, mas sim, acções práticas, e a criação deste comité reforça esta ideia. Ao designar líderes africanos para mediar o conflito no Sudão, a União Africana está a sublinhar a importância de abordar os problemas do continente com soluções internas, aproveitando elementos estruturais na mediação como: O entendimento que as partes têm sobre o conflito e sobre o continente, a proximidade cultural, geográfica e a solidariedade africana. Esta abordagem pode aumentar a aceitação das partes com esse painel de mediadores, bem como as soluções propostas”. Sobre as causas do conflito, Mboco explicou que o conflito apresenta um quadro de grande complexidade devido aos interesses antagónicos entre os generais Abdel Fattah Al Buran e Mohammed Hamdan ´Hemedti´ que é o centro do conflito, mas importa sublinhar que as questões étnicas, económicas, políticas e os apoios externos que cada general possui agravam o quadro conflituante existente no Sudão”. "O envolvimento de líderes de várias regiões de África pode proporcionar uma visão abrangente e equilibrada. Nesta ordem de ideias é fundamental que os chefes de Estados trabalhem no mesmo espírito e que não se sobrecarregue nenhuma das partes, ou seja, todos devem trabalhar no sentido da busca da paz”, frisou Osvaldo Mboco, tendo adiantado que "se assim não for será uma desilusão e demonstrará a incapacidade destes chefes de Estados em lidar com dossiers complexos. A criação deste comité, para além de consolidar o espírito de solidariedade entre os povos, pode também fortalecer a cooperação continental e destacar a capacidade da África de resolver os seus próprios problemas”. O analista político defende a inclusão de organizações regionais continentais, mas defendeu não ser necessário o envolvimento da União Europeia, tendo justificado o engajamento da Liga Árabe, de que o Sudão faz parte. "A Liga Árabe, por se tratar de uma organização onde o Sudão faz parte e ter interesse para que esse conflito termine, porque cria instabilidade na região, comprometendo a Agenda regional e também devido à sua proximidade cultural e geográfica, pode ajudar a alinhar esforços regionais”, afirmou Mboco. "Existem razões endógenas e exógenas profundas no Sudão” Para o docente universitário, Cesário Zalata, a indicação do Presidente João Lourenço ”é uma prova irrefutável de que a comunidade internacional reconhece em João Lourenço qualidades inquestionáveis, de um estadista congregador, pacificador, mediador, negociador, facilitador, com credibilidade, prestígio e reputação que, está profundamente preocupado e engajado com a problemática dos conflitos em África e no mundo. Aliás, João Lourenço é tão somente o actual Campeão da Paz e Reconciliação em África”. O especialista em Relações Internacionais caracterizou a União Africana como "organização inerte, sem acção, sem dinamismo e sem proactividade, relativamente aos vários problemas que afectam o continente "Berço da Humanidade. Passados quinze meses, o conflito do Sudão já provocou uma enorme taxa de sanguinolência, destruição de infra-estruturas e ondas de deslocados, arrastando uma dramática crise humanitária. Contudo, há um velho adágio que diz "mais vale tarde do que nunca". Por isso devemos enaltecer a decisão tomada pela União Africana com a criação do Comité Ad-Hoc para o Sudão”. Quanto à necessidade e urgência das lideranças africanas investirem em soluçõs africanas para o conflito no Sudão, Cezário Zalata disse que "é hora de os líderes africanos assumirem a responsabilidade de serem os principais pilares da gestão e resolução dos problemas do nosso continente. Evidentemente, vivemos na era da globalização, isto significa que nenhum Estado ou continente pode viver isoladamente, sem contar com a ajuda de outros. Razão pela qual é absolutamente aceitável que se possa buscar soluções em outros espaços geopolíticos, quando africanamente, já não houver capacidade de manobra”. O docente adverte que "os líderes africanos não devem permanentemente, ficar na inércia e no silêncio, aguardando por milagres do exterior. Por isso os africanos devem ser os primeiros a engajar-se para resolver os seus próprios problemas”. Quanto às razões da conflitualidade, o também analista de Política Internacional afirmou que "existem razões indógenas e exógenas profundas na questão do Sudão. A principal causa deste conflito é a luta ilegítima pelo poder, motivado pela ganância e ambição de grupos. Internacionalmente, está consagrado que, em democracia liberal, a única forma legítima de lutar pelo poder é por meio do sufrágio universal. Entretanto, no Sudão, quer Abdel Fattah Al Buran, quer Mohammed Hamdan pretendem exercer o poder político de forma ilegítima, ou seja, por meio do uso da força”. "A história política do Sudão é ensombrada por conflitos permanentes e golpes de Estado, como é o caso da guerra de Darfur, que precipitou o desmembramento do Sudão e Sudão do Sul em 2011”, lembrou Cezário Zalata. Quanto às expectativas relacionadas com o comité agora criado, Cezário Zalata disse "que se espera que o Comité Ad-Hoc União Africana alcance as metas e objectivos pelos quais foi constituído. Em minha opinião, este Comité Ad-Hoc é composto pelos cincos líderes mais renomados do continente africano. Obviamente, uns com mais credibilidade, prestígio, respeitabilidade e aceitação do que outros. João Lourenço, Bola Tinubu, Abdel Al-Sisi, Teodoro Nguema e Yoweri Museveni devem usar todos os instrumentos de gestão e resolução de conflitos para persuadir e convencer os dois generais para colocar um basta neste conflito. Outro passo importante é criar um período de transição que permita a realização de eleições livres e democráticas, de modo a devolver a alegria, esperança e a paz ao povo sudanês”. "As três organizações internacionais deviam e devem verdadeiramente ter um papel activo na questão do Sudão. A ciência das Relações Internacionais ensina que as Organizações Internacionais são actores não estatais que desempenham um papel crucial na criação de um clima de desanuviamento e aproximação entre os Estados e na pacificação dos conflitos”, disse Zalata, referindo-se à ONU, Liga Árabe e União Europeia.