O cessar-fogo entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Rwanda, assinado e anunciado em Luanda, sob a mediação angolana, no dia 30 de Julho, segundo a imprensa congolesa foi violado a 4 de Agosto, quando as milícias do M23 tomaram a localidade de Ishasha, que fica a 200 quilómetros a nordeste da província de Kivu Norte, junto da fronteira da RDC com o Uganda.
Diz-se que a localidade de Ishasha, em função de relatos de cidadãos ouvidos pela Agência France-Presse (AFP) e citados pela imprensa congolesa, foi tomada sem combates, dias depois da cidade de Nyamilima ter caído, também, nas mãos do grupo rebelde, sem resistência.Há dias, a Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO), o equivalente à CEAST em Angola, emitiu um comunicado em que exortava as partes signatárias do acordo a respeitarem-no à letra.
A julgar pela posição de força do M23, ao tomarem localidades depois do anúncio do cessar-fogo e pela declaração inicial dos mesmos, ao dizerem que não estão vinculados aos acordos de Luanda, as perspectivas de o cessar-fogo vigorar por mais tempo continuam muito frágeis.
Há, actualmente, na RDC, uma esperança efectivada com o anúncio do cessar-fogo, mas igualmente fundadas preocupações relacionadas com os novos desenvolvimentos que consistem em declarações assumidas pelo M23, segundo as quais não se sentem comprometidos a respeitar um acordo em que não foram chamados. O grupo rebelde defende diálogo directo com o Governo da RDC, uma realidade que muitos congoleses põem em causa atendendo aos antecedentes.
À rádio Top Congo, recentemente, a partir de Bruxelas, o Chefe de Estado Félix Tshisekedi, citado depois pelo Le Monde, afirmou categoricamente que "enquanto for Presidente da RDC jamais vai sentar-se à mesa com o M23 para negociar”. Assumiu que iria para o Rwanda, mas não para negociar, apenas para, tal como mencionado pela imprensa, perguntar ao homólogo rwandês "o que tem contra o povo congolês”.
Como salvar o cessar-fogo
Perante a fragilidade do cessar-fogo, o apelo da CENCO, as declarações do M23 segundo as quais não se vincula ao acordo de cessar fogo e a afirmação do Presidente Tshisekedi, que fecha as portas ao diálogo com aquele movimento, o Jornal de Angola ouviu especialistas em Relações Internacionais e Assuntos Africanos.
Tratam-se de Adalberto Malú, Cesário Zalata e Osvaldo Mboco, que convergiram na de ideia de que a solução para salvar o acordo de cessar-fogo pode envolver um esforço diplomático mais inclusivo, por via do qual se deverá engajar o M23, directa ou indirectamente.
Adalberto Malú afirmou que "a falta de inclusão do M23 no processo de negociação foi uma falha significativa”. Para remediar essa situação, disse, é fundamental envolver o grupo rebelde em conversações directas ou num processo de diálogo paralelo que aborde as suas preocupações.
Segundo o especialista, a mediação angolana pode facilitar este diálogo, aproveitando o apoio de organismos Sub-regionais, como a Comunidade dos Estados da África Central (CEEAC), para pressionar todas as partes a aderirem ao cessar-fogo.
Quando questionado sobre a aparente reticência do Rwanda, diante da posição assumida pelo M23, ao demarcar-se do acordo de cessar-fogo, o académico disse que "o silêncio do Rwanda pode ser interpretado como uma estratégia deliberada para evitar assumir responsabilidades directas enquan- to apoia tacitamente o M23”. "O Rwanda tem sido repetidamente acusado de apoiar o M23, o que complica a dinâmica do conflito. Este silêncio pode ser uma forma de evitar críticas internacionais ou sanções, enquanto continua a influenciar os acontecimentos na RDC”, sublinhou.
Para Adalberto Malú, uma resposta mais assertiva da comunidade internacional, exigindo uma posição clara do Rwanda, pode ser necessária para quebrar este silêncio estratégico.
Sobre a posição do Presidente Félix Tshisekedi em rejeitar o diálogo directo com o M23, Adalberto Malú entende que "é compreensível do ponto de vista de preservar a soberania e evitar legitimar um grupo rebelde”.
"Contudo”, diz o analista, "essa posição rígida pode limitar as opções de resolução pacífica do conflito. Dado o contexto actual e as pressões internas e externas, uma postura mais flexível que permita a negociação sob condições rigorosas pode ser mais eficaz”.
Lições do passado
Apesar do fracasso das iniciativas anteriores de diálogo, isso não invalida a possibilidade de um novo processo que considere as lições aprendidas e envolva garantias internacionais, disse o académico Adalberto Malú.
Quanto aos passos que a mediação angolana deve dar para eventualmente reforçarem-se os mecanismos de observância e cumprimento do acordo de cessar-fogo, o investigador defende que "Angola pode necessitar de uma coordenação mais estreita com outras potências regionais e mundiais e com as Nações Unidas, para garantir que todas as partes sejam responsabilizadas pelo cumprimento dos acordos”.
Além disso, observou, deve-se intensificar os esforços diplomáticos para incluir mecanismos de monitorização robustos e sanções contra aqueles que violarem o cessar-fogo, criando assim um ambiente mais propício para a paz sustentável.